sáb. jun 7th, 2025

DLT, Blockchain e CCP: Benefícios e Riscos

Autor: Marcelo Deschamps (MD8 Consulting)

Introdução

DLT – Distributed Ledger Technology ou Blockchain (tipo de DLT, que foi popularizado pelo Bitcoin a partir de 2009) vem atraindo a atenção dos especialistas e reguladores nos últimos anos. Inúmeros trabalhos foram publicados em diferentes jurisdições (BIS, BCE, ESMA e FINRA) analisando os impactos dessa inovação sobre os mercados de valores mobiliários e até previu-se a extinção das Contrapartes Centrais – CCP (referência em http://www.risktech-forum.com/opinion/could-blockchain-really-replace-the-need-for-clearinghouses).

O presente artigo visa apresentar os benefícios da adoção das tecnologias de DLT em pós-trading, seus riscos e o real impacto sobre as estruturas de contraparte central – CCP.

Definição de DLT

DLT – Distributed Ledger Technology refere-se aos protocolos e infraestrutura de suporte que permitem que computadores em diferentes locais processem e validem transações e atualizem registros em um banco de dados distribuído, livrorazão, de forma sincronizada através de uma rede (BIS 2017, veja mais em https://www.bis.org/publ/qtrpdf/r_qt1709y.htm).

Em um banco de dados distribuído tradicional, um administrador de sistema geralmente executa as principais funções que são necessárias para manter a consistência dos registros em várias cópias do razão. A maneira mais simples de fazê-lo é o administrador central de o sistema manter uma cópia mestre do razão, gerá-la periodicamente e compartilhá-la com todos os participantes da rede.

A tecnologia DLT, entretanto, permite que os participantes da rede validem a transferência de direitos entre si e compartilhem esses registros de forma imutável, utilizando procedimento de validação consensual descentralizada e assinaturas criptográficas (consensus algorithm e cryptographic hash function – “Applicability of Distributed Ledger Technology to Capital Market Infrastructure” –JPX Working Paper – 2016).

Os sistemas baseados em DLT mantém um banco de dados distribuídos de forma descentralizada e todos os nós têm versões idênticas dos dados, dispensando um ente central confiável.

Blockchain

Blockchain é um tipo de DLT onde as transferências de registros são conduzidas na modalidade peer-to-peer e transmitidas para todo o conjunto de participantes que trabalham para validá-los em lotes conhecidos como “blocos” que são adicionados/conectados ao bloco anterior em ordem cronológica. Esse tipo de DLT é designado como “tecnologia blockchain”.

A mais popular utilização da tecnologia Blockchain é o Bitcoin, moeda virtual, onde os registros são como uma cadeia de blocos de dados unidos por meio de criptografia com base no esforço de “mineradores”, nós que resolvem continuamente enigmas criptográficos. (BIS 2017).

Benefícios de DLT para o pós-trading

O maior benefício que pode trazer a utilização de DLT nas atividades de póstrading, em especial na compensação e liquidação de valores mobiliários é melhorar a eficiência do mercado. Eficiência avaliada nas dimensões custo e velocidade de se realizar todo o ciclo de vida da transação desde a negociação até a liquidação e transferência de titularidade do ativo.

De acordo com Mainelli, o custo total dos processos de compensação e liquidação em todo o mundo atingiu 40 bilhões de dólares por ano, e a maior parte do custo vem da reconciliação dos registros e operações manuais.

A reconciliação consiste em garantir que os registros relativos a uma transação sejam correspondidos entre as partes relevantes. Isso geralmente é um processo demorado e com grande intensidade de mão-de-obra, pois envolve a reconciliação de informações em diferentes livros contábeis e a gravação e armazenamento dessa informação em diferentes formatos. Ao permitir que as informações que se encontrem em um formato comum sejam compartilhadas entre os participantes para uma transação, o uso de DLT reduz a discrepância de dados, facilita a reconciliação mais rápida e elimina ou reduz atividades onerosas do back Office (BIS 2017).

A maior rapidez de processamento e a automatização da reconciliação levam a redução do ciclo de liquidação das operações de pós-trading. Isso gera impacto significativo nas necessidades de crédito e liquidez associadas à atividade de pagamento, compensação e liquidação. Menor o ciclo de liquidação, que pode até chegar a T+0, diminui a exposição aos riscos de crédito, liberando colaterais. No entanto, também coloca maior demanda de liquidez aos participantes.

As ferramentas de automação do DLT, como os smart contracts também são geradoras de ganhos de eficiência e redução de risco operacional. A codificação das regras dos ativos em DLT (code rule ) permitiria a automação de uma série de transações durante o ciclo de vida do contrato, como calcular e creditar pagamentos de eventos corporativos ou executar chamadas de margem.

A tecnologia DLT também tem o potencial de tornar mais eficiente o registro de propriedade de títulos e a rastreabilidade das transações. Além disso, as informações compartilhadas e armazenadas de forma descentralizada podem ser usadas por múltiplos participantes para fins Know Your Customer – KYC e prevenção à lavagem de dinheiro – AML.

Desafios de DLT para o pós-trading

Um dos principais motivadores para a implantação de tecnologias DLT é a alta resiliência e a confiabilidade dos arranjos de compensação e de liquidação. A sua natureza distribuída, com o uso de múltiplos nós de processamento, tem o potencial de reduzir o risco de um único ponto de falha.

Segurança e Confiabilidade

Se um nó no sistema for comprometido, os outros nós podem permitir o processamento contínuo das transações. No entanto, ter muitos nós em um arranjo cria pontos de entrada adicionais para invasões que podem comprometer a confidencialidade, integridade e disponibilidade de todo o conjunto.

As ferramentas criptográficas, como a criptografia de chave pública, desempenham um papel central na garantia da segurança dos sistemas existentes e são de importância crítica nos arranjos DLT. Enquanto as ferramentas criptográficas atuais são consideradas efetivas e são amplamente utilizadas, os avanços tecnológicos futuros podem tornar as ferramentas criptográficas existentes menos seguras e eficazes.

Esta questão é particularmente preocupante para um arranjo com uma estrutura de governança distribuída, que pode não ser capaz de reagir rapidamente o suficiente forte para problemas de segurança e ameaças.

Como o DLT é baseado no compartilhamento de informações, a manutenção do registro de contas deve ter uma estrutura de governança especialmente bem desenhada. Os recentes desafios de governança relacionados a vários casos de uso de DLT sem restrições ressaltaram a importância crítica de ter uma compreensão clara dos acordos de governança em torno da mudança e gerenciamento de incidentes e da aplicação das decisões de governança.

Capacidade Operacional e escalabilidade

Outro grande desafio para a implantação da tecnologia DLT diz respeito à capacidade operacional e escalabilidade dos sistemas. Um sistema de pagamentos, compensação e liquidação geralmente precisa lidar com flutuações significativas nos volumes de transações e, portanto, precisa ser escalável.

A capacidade operacional tem dois componentes principais: (i) processar grandes volumes diariamente; e (ii) suportar picos de volumes máximos, inclusive em tempos de estresse e volatilidade do mercado. Um sistema que não atende a esses requisitos pode comprometer todo o conjunto no momento crítico. A capacidade operacional do sistema é fortemente dependente dos algoritmos de validação e consenso empregados dos arranjos de DLT.

Risco Legal e finality

De vital importância para estabilidade e higidez dos sistemas de pagamentos, compensação e liquidação é o conceito de “finality” – liquidação irrevogável e incondicional. O momento legalmente definido no qual a transferência de um ativo ou instrumento financeiro, ou o cumprimento de uma obrigação, é irrevogável e incondicional e não é suscetível de ser alterado quando da falência ou insolvência de um participante. Nos sistemas tradicionais, finality é um ponto claro e bem definido no tempo, apoiado por uma base jurídica sólida. Para os arranjos DLT, que dependem de um algoritmo de consenso probabilístico para efetuar a transferência final do ativo, a finality torna-se imprecisa e instável (“Applicability of Distributed Ledger Technology to Capital Market Infrastructure” – JPX Working Paper – 2016).

Risco Sistêmico

E por fim, há os aspectos de risco sistêmico envolvido na utilização da tecnologia DLT em compensação e liquidação de valores mobiliários. O tratamento de falhas e inadimplência baseado somente em tecnologia DLT é difícil e necessita de um ente centralizador como as CCP a fim de se evitar o risco de gridlock (ou se aperfeiçoa os algoritmos de consenso). Em BIS 2017, ressalta-se que em possível cenário de alto índice de automação (smart contracts), condições macroeconômicas de stress ou movimentos de mercado direcionais poderiam disparar chamadas de margem de todos os participantes ou a venda automática das garantias (collateral fire sell) levando a uma severa demanda de liquidez em todo o sistema financeiro e criando um evento sistêmico.

Conclusão e papel das CCP

Como destacou Pirrong (2016, http://streetwiseprofessor.com/a-pitch-perfect-illustration-of-blockchain-hype/), as CCP foram criadas há mais de 200 anos pelas Bolsas, basicamente, para gerenciar os riscos de contraparte e mitigar o risco de inadimplência no sistema. As CCP oferecem uma série de serviços. Alguns podem ser substituídos por arranjos DLT outros não são facilmente descentralizados.

Mutualização do risco, cálculo das margens, gestão de todo o processo de inadimplência de participante, liquidação de suas posições, execução de colaterias, acionamento de fundos de garantias e liquidação, linhas de crédito e gestão do risco de liquidez, visto que muitas vezes a garantia do inadimplente pode não ser imediatamente conversível em dinheiro para pagar contrapartes adimplentes, são todas atividades que justificam uma CCP e devem ser exercidas de forma centralizada e com neutralidade fora do ambiente DLT.

Conclui-se, portanto, que não há que se falar em desintermediação ou o fim das CCP. Existe grande potencial e ganhos de eficiência e segurança na utilização de tecnologias DLT, conforme descrito acima. No entanto, vários fatores representam obstáculos à aceitação generalizada e ao uso de DLT. A tecnologia ainda não está madura, o esclarecimento de questões críticas legais, operacionais e de governança levará tempo e mesmo que as DLT fossem amplamente adotadas, certas funções de pós-tarding continuarão a ser realizadas por infraestruturas centralizadas e neutras.

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