dom. abr 28th, 2024

Experiência Médica e Inteligência Artificial

Não precisamos estender um tapete vermelho para as máquinas e para a Inteligência Artificial. Precisamos sim, integrar tudo isso ao conhecimento humano, à prática e experiência acumulada por médicos, cientistas, profissionais de saúde.

Entre junho e agosto de 1956, um grupo de cientistas agitou o campus do renomado Dartmouth College, em New Hampshire (EUA). Entre eles, John McCarthy, apontado como autor do termo Inteligência Artificial (IA). Eles acreditavam na construção de computadores para desempenhar tarefas ligadas à cognição e ao uso de linguagem, e destacava: “Todos os aspectos da aprendizagem — ou qualquer outra característica da inteligência — podem, em princípio, ser descritos tão precisamente que uma máquina será capaz de simulá-los”.

A Inteligência Artificial (IA) ganha cada vez mais relevância, assim como os chatbots conversacionais, a inteligência artificial generativa, que chegaram aos mecanismos de busca da Internet, como o Bard do Google e o Bing da Microsoft. E, nesse contexto, a área da saúde não permaneceria incólume no mar revoltoso que, certamente, também vai afetar e mudar a medicina e a pesquisa científica.

Fato é que a IA (generativa ou não) está ao alcance de todos. Hoje, qualquer um pode usá-la, seja para tarefas rotineiras, seja para aprofundar conhecimentos na medicina (prática médica e clínica) e na ciência.

Autor de mais de trezentos artigos científicos e muitas centenas de textos sobre tecnologias da informação e seu impacto, Silvio Meira, cientista e professor emérito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e um dos fundadores do Porto Digital (Recife-PE), afirma que a IA generativa vai acontecer, até porque foi uma tecnologia que chegou aos 100 milhões de usuários em seis meses, fato nunca ocorrido antes no mundo. Mas alerta: “muita gente começou a usar muito mal.”

Há poucos dias, a Revista Nature, uma das principais referências no mundo científico, publicou um texto revelando a introdução da Inteligência Artificial nos mecanismos de bancos de dados científicos. Uma das pioneiras é a editora holandesa Elsevier, que lançou uma interface de IA acionada por ChatGPT para alguns usuários de seu banco de dados Scopus. Outra é a britânica Digital Science, que faz testes fechados com um assistente de modelo de linguagem grande (LLM) de IA para seu banco de dados Dimensions.

De modo geral, uma das tarefas é apresentar resumos de tópicos de pesquisas, com base em referências científicas, artigos, estudos. O texto da Nature explica que os LLMs para pesquisa científica não são novos, e algumas empresas já contam com esses sistemas de IA que ajudam a resumir as descobertas de um campo ou a identificar os principais estudos, por meio de bancos de dados científicos gratuitos ou com acesso a artigos de pesquisa pagos por parcerias com as editoras.

Mas os autores também alertam: os LLMs para pesquisa, especialmente pesquisa científica, não são confiáveis, e os resultados podem conter erros factuais, preconceitos e, como o público (acadêmico ou não) descobriu rapidamente, podem inventar referências inexistentes.

Com a Inteligência Artificial e todos os sistemas envolvidos, como os LLMs, a transformação ocorre neste momento na sociedade, na educação, nas artes, na ciência. E tudo isso vai impactar as pessoas, as empresas, o emprego, a medicina, os sistemas de saúde públicos e particulares.

O que está por vir na medicina

Antes que a computação quântica se torne realidade, ainda haverá um período de transição, a partir das habilidades dos seres humanos e da evolução do seu conhecimento, integrado com a aceleração dos processos irrefreáveis da Inteligência Artificial.

Seria desperdício competir com as máquinas. Na verdade, deve-se usá-las como aliadas. Neste contexto, a área científica, médica e todo o espectro da saúde pode aproveitar seus benefícios, sobretudo em prol dos pacientes.

Nós humanos – e enquanto profissionais da área da saúde – vamos mudar os “afazeres”, usar a tecnologia em colaboração para os nossos diagnósticos de imagem, para ter mais precisão. O que se fazia em dias, meses ou anos poderá ser adiantado rapidamente – talvez em algumas horas.

Temos como vantagem algo que as máquinas não têm: a experiência prática e clínica, o sentir, a inteligência que nos permite criar novos métodos para analisar imagens, laudos, exames e, principalmente, o olho no olho, a empatia, o cuidado com o paciente e até mesmo a intuição.

Assim, cada vez mais nossa tarefa será nos dedicar ao que é essencial, fundamental para a compreensão do diagnóstico, para avaliar se a máquina cometeu erros de análise e observar novas possibilidades diagnósticas. Vamos poder atuar com mais qualidade, precisão, assertividade em busca de tratamentos especializados a partir da condição individual e personalíssima de cada paciente. E, por ética, respeitar a identidade, a individualidade, a integridade de cada pessoa, da sua família e da sociedade.

Exemplos práticos são essenciais para o paciente, que muitas vezes ainda está distante dessa “realidade-ficção científica” que envolve a Inteligência Artificial hoje.

No dia a dia, já é realidade e prática, por exemplo, o sequenciamento do DNA. Nas últimas duas décadas, tem sido usado para identificar pessoas que herdaram mutações genéticas que aumentam o risco de desenvolver certos tipos de câncer. O teste geralmente usa DNA de células sanguíneas de pacientes que já têm determinados tipos de câncer ou do sangue de seus familiares que não têm câncer conhecido, mas podem ter um risco aumentado para a doença.

Os pesquisadores começaram a usar o sequenciamento do DNA de alguns tipos de câncer para prever quais medicamentos alvo têm maior probabilidade de responder em cada paciente. Essa prática é denominada Medicina Personalizada ou Medicina de Precisão. Através da comparação dos níveis de RNA, os médicos podem, às vezes, prever se um determinado câncer é susceptível de ser mais ou menos agressivo do que seria esperado com base em sua aparência sob o microscópio. Às vezes, esses testes podem prever se um câncer vai responder a determinados tratamentos ou não.

Certamente, a Inteligência Artificial vai colaborar no campo da medicina e de toda a saúde pública e privada, até como meio auxiliar nas pesquisas para novas ferramentas de diagnóstico e prognóstico e nas análises de biologia computacional. Marcadores epigenéticos deverão também desempenhar papel relevante na medicina personalizada. Na verdade, permanecerá a vontade de acertar (no diagnóstico e na terapia) e a alegria de vencer a doença será sempre um fatore humano.

Em casos específicos, a comunidade científica já reconhece que, por muitas décadas, os padrões de diagnóstico de Câncer de Próstata aplicados atualmente e os métodos de tratamento radical permaneceram basicamente inalterados na prática clínica. É fundamental aprimorar a atual tecnologia de teste de PSA com biomarcadores de Câncer de Próstata, mais sensíveis e robustos e que possam reduzir o tratamento excessivo e considerar com mais frequência a vigilância ativa e as terapias de preservação, por exemplo, ultrassom focal de alta intensidade (HIFU).

Ligando os pontos, não precisamos estender um tapete vermelho para as máquinas e para a Inteligência Artificial. Também não precisamos renegar, abolir, abandonar ou censurar as tecnologias e seus sistemas inteligentes e generativos. Mas, sim, integrar tudo isso ao conhecimento humano, à prática e experiência acumulada por médicos, cientistas, profissionais de saúde. Porque, ainda que a tecnologia seja imprescindível, segue a máxima de Charlie Chaplin: “Não sois máquina, homem é que sois”.

*Marcelo Bendhack é médico urologista, uro-oncologista e presidente da Associação Latino-americana de Uro-oncologia (Urola)

Fonte: Leia isso (extraído de artigo do site Veja)

WP Twitter Auto Publish Powered By : XYZScripts.com